segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Lili e seus mistérios

Semana passada, de volta ao serviço, me veio um certo abatimento. A Canciam deu o diagnóstico e o remédio: "tem que investir na vida lá fora".

Não me iludo pensando que todos à volta estejam satisfeitos com as vidas que levam ou não tenham dificuldades, grandes e pequenas, mas elas cansam por serem recorrentes: vêm, voltam, se disfarçam, velhas conhecidas. Talvez eu devesse tratá-las assim, como senhoras idosas, com psicologia, alguma conversa e muita paciência... Mas às vezes a vontade é de largá-las de mão e ir vender picolé na praia.

Bem, nesse dia de humor bordejante, foi a Lili (minha colaboradora doméstica) que contrabalançou as coisas. Minha mãe tinha me acompanhado num exame e eu voltei pra casa com ela. Quando meu pai veio buscá-la, aproveitei pra pedir que desse uma olhada no split, que estava pingando na sacada do vizinho, e analisasse minha ideia sobre como resolver o problema.

Meu pai foi até a janela, espiou pra fora e não entendeu o que estava acontecendo. Eu expliquei que a mangueira do aparelho estava muito próxima à parede e por isso caía água na sacada do vizinho. Ele continuou sem entender. Então fui até a janela e vi que a mangueira havia sido presa a um gancho de metal e afastada por um barbante amarrado ao aparelho. Fiquei surpresa, mas imensamente feliz (ó, um aborrecimento a menos!). Disse ao meu pai: "Só pode ter sido a Lili".

Na semana anterior, eu tinha tentado resolver a questão a meu modo, com uma vassoura, um desentupidor de pia e outros utensílios disponíveis. Nesse esforço desastrado e cansado (já era tarde da noite), parte da vassoura tinha ido parar no térreo e deixei pra pegá-la na manhã seguinte. Quando a Lili chegou, estranhou o cabo de vassoura na sacada e eu expliquei o que havia acontecido. Por isso a certeza de que havia sido ela.

Resolvi confirmar. Telefonei, e ela me disse que havia feito um anzol com um cabide para amarrar o barbante. Não me explicou sobre o gancho, mas jurou que ninguém tinha entrado na minha casa. Pensei "a Lili é um fenômeno, mas não pode ter posto o gancho sozinha".

Não sei exatamente o que se deu, suponho que o vizinho tenha posto o gancho a partir do apartamento dele e tenha pedido à Lili para amarrá-lo ao aparelho. Isso deveria ter me incomodado. Mas decidi ficar contente: Que bom, a Lili resolveu o problema (!).

*


Tive uma outra colaboradora do lar que me surpreendia. Às vezes, eram as toalhas dobradas em forma de cisne sobre a cama, o que dava ao quarto ares de motel. Outras vezes, eram os móveis e os quadros trocados de lugar. Eu sempre ria da inovação.

*


Esse comportamento pró-ativo (Márcia, lembra disso?) me faz pensar na "mensagem a Garcia", que meu pai repete desde quando éramos criancinhas. Agora, refletindo um pouco, acho que, embora eu louve e admire esses "mensageiros" eficientes, sinto um certo peso pelo seu exemplo. Talvez essa introjeção da mensagem tenha resultado numa busca meio solitária e sem método da minha parte - o que, por vezes, me leva ao extremo oposto, de esperar que, por favor, me socorram, enquanto dou voltas em torno de mim mesma.

*


A Lili é herança da Cristina, que a "deixou para mim" quando foi pra França. Aliás, ela (Cris) me ligou hoje de lá, perguntou o que tenho feito, disse que achava que eu estaria na praia, e eu contei que estava mesmo, tinha acabado de chegar. "Corri uma prova de revezamento de Torres a Tramandaí", eu falei. E ela: "Nossa". E eu (no meu atual estilo de imobilidade ressentida - ou mobilidade conformada?): "Pois é, a gente tem que se ocupar". Ela riu, disse que eu estava parecendo o pai dela. E eu concordei: "uma aposentada, em busca de ocupação" (já que o centro da vida parece passar ao largo).

Qual é o centro da vida? Relacionamentos, relacionamentos... Há de se investir na vida lá fora!

Um comentário:

  1. NOTA DE ESCLARECIMENTO: Eu também me surpreendo muito com as minhas eventuais falhas de percepção. O que chamei de "gancho de metal" era, na verdade, um anel muito bem feito de barbante. Não houve nenhum vizinho envolvido, portanto, e a Lili continua sendo um fenômeno.

    ResponderExcluir