quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

a reforma

Engraçado, eu estava dando uma geral nos meus textos velhos e encontrei um exercício feito para a Oficina do Assis Brasil, em 2008, que nem cheguei a entregar porque o achei muito literal, sem valor literário. Como recordação, porém, é válido:

Comecei a semana derrubando portas e paredes. Meu irmão desocupou o apartamento e decidi me mudar para lá. Antes, porém, a reforma. Chamei o Ireno, que é mestre-de-obras, e, na segunda-feira de manhã, ele apareceu com o Vítor e o Amarildo. Um é pedreiro, o outro, azulejista. O Amarildo é a cara do Ireno, perguntei se eram parentes. “Sim, irmãos”. Meu pai chama o Ireno de Joãozinho Trinta, contei a ele. “Sabe quem é?”, perguntei. “Claro”, ele disse. “Grande Joãozinho Trinta”!

Eles retiraram os azulejos, a pia enorme de granito, os armários da cozinha. Essas coisas me doem um pouco, fico querendo reaproveitar tudo, de alguma forma, mas, no fim, acabo jogando fora e comprando novo.

Nesse primeiro dia, enquanto eles quebravam, eu pensava o quanto de parede derrubaria. Toda ou um pedaço? Ou nada? Olhei para ela tão lisinha, tão branquinha, os cantos tão definidos arrematados pelo rodapé novo. “Por que ainda precisas de uma parede?”, me perguntou, à tarde, a analista. “Ora, para apoiar a televisão”, eu disse. “Não seja tão literal”, ela disse. “Bem, não estou só no mundo, tenho pai, mãe, avós, bisavós, uma história, qual o problema de querer apoio? Devo prescindir deles?”

Pedi a opinião do pedreiro, precisava saber o que dava e o que não dava para fazer, assim eu decidiria. Puxar uma tomada aqui pode? E derrubar aquela parede? E se eu quiser colocar uma porta de correr no banheiro em vez desta aí? “Pode tudo”, ele disse. “Exceto trocar as peças de lugar”.

Em quatro dias, os azulejos e duas portas foram removidos e uma das paredes se transformou na base de um balcão. Um pedaço de gesso do teto veio abaixo junto com os azulejos e sabe-se lá o que provocou um vazamento no apartamento da vizinha. No quinto dia, os estragos foram consertados. Sonhei com tijolos, reboco e poeira e acordei com o telefone. É o Ireno, oito em ponto. Devia estar só esperando o horário redondo para ligar. Dia de pagamento. Ou, como meu pai gosta de dizer: "pay day".

 A semana chegou ao fim, e eu continuo com trena, caneta e bloquinho a medir paredes, estudar móveis e materiais e imaginar como ficariam na sala. O apartamento é uma aldeia bombardeada. Pedaços de concreto, azulejos quebrados. Meus cabelos estão duros de pó. Penso no chuveiro que não está pronto. Na frente do prédio, o homem do container leva a caliça embora. 

*


Ora, nada é por acaso. Achei um gancho:

Dedico esse post à minha irmã e ao Ivan, que estão saindo da casa dos pais para iniciar vida de casal! :-)

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