sexta-feira, 22 de abril de 2011

Digão, Henrique, Edu e Raymond

Ontem à noite eu estava no supermercado me abastecendo pro feriadão quando o telefone tocou. Era a mãe querendo saber se eu iria lá, no dia seguinte, comer bacalhau. Confirmei.

Hoje me dirigi à sua casa, bati à porta e ninguém atendeu. Silêncio total. Estranho. Bati mais duas vezes e nada. Liguei pro celular.

– Onde é que vocês estão? – perguntei.
– Em casa, te esperando! – disse o pai.
– Como assim em casa? Eu estou aqui na porta.
– Em casa, na praia. Tu não sabia?

Não, não sabia. Podiam ter sido mais claros. E, agora, podiam comer o bacalhau.

Nesse ínterim, meu tio me mandou uma mensagem. Liguei para ele e perguntei se já tinha almoçado. Disse que estava na casa do meu outro tio, insistiu que eu fosse lá. Eu disse que não, não. Não fui.

Fui até o Moinhos de Vento. Escolhi uma mesa na rua, preparei um prato bem colorido. O dia estava lindo e eu fiquei quase muito à vontade comendo sozinha. Na mesa da frente, um rapaz da minha idade (tenho uma amiga que ri muito quando eu falo assim, um rapaz, ela acha que é antigo, mas como se referir a homens da nossa idade? Cara, carinha, jovem, sujeitosenhor? Substituí por gatinho uma vez e caí no ridículo do outro extremo. Uma outra amiga sugeriu “bofe”, o que para mim é um termo gay. Já rapaz, dito com uma pontinha de ironia, nos remete a assunto antigo, do tempo da nossa avó, a unir comadres, mães e filhas – embora não seja esse o tema do post.) –.

Bem, o rapaz almoçava com o filho, que devia ter uns quatro, cinco anos, o Digão. Eu comia e olhava pra rua e, com o canto do olho, eu observava os dois. Não podia ficar olhando reto porque o pai do Digão ia achar que eu estava dando em cima dele (pois é, e se estivesse?).

O Digão tinha uma coleção de carrinhos e carrões em cima da mesa. De tempos em tempos o pai lhe dava umas colheradas do próprio prato e ele aceitava distraído. O Digão passaria o dia com o pai. Às oito, seria devolvido para a mãe. No dia seguinte, voltaria para o pai. “Está bom, assim, Digão?”. Acho que estava, não houve resposta.

O Digão derrubou um carrinho da mesa e se abaixou pra juntar. Nesse momento, um outro garotinho, de camiseta, bermuda e tênis que nem o Digão, surgiu na calçada. “Olha quem está chegando, Digão!”. Era o Henrique, acompanhado do seu pai e da sua mãe. “Que coincidência”.

O pai do Digão e os pais do Henrique se cumprimentaram, e o Henrique saiu correndo. A mãe do Henrique explicou pro pai do Digão que ele sempre fazia isso quando encontravam algum conhecido: “Hoje mesmo, encontrei uma amiga no Parcão e...”. O pai do Digão entendia: “O próprio Digão...”.

O Digão foi atrás do amigo. E eu os acompanhei com o pescoço e os olhos, pensando se não iam se jogar no meio da rua. O pai do Henrique foi atrás deles. Reapareceu com os dois e foi procurar uma mesa. O Digão voltou para o seu pai. Ele mal tinha sentado quando avistei na calçada mais um menino, da mesma altura. Achei (sem achar realmente) que podia ser outro amiguinho. Balancei a cabeça, sorri e ouvi a voz do Digão: “Pai, o Edu!”. Eu olhei pro pai do Digão por um segundo, ainda sorrindo, e ele sorriu também, surpreso: “Nossa, é o Edu mesmo!”

*


De manhã, eu estava trabalhando num texto e fiz uma pausa para ler um pouco. Achei que podia me inspirar na forma de escrever do Raymond Carver (queridinho das oficinas literárias). Eu tenho um livro, com 68 contos dele, que deixei para ler pouco a pouco, não todo de uma vez. Foi engraçado, porque no texto que estava escrevendo eu dava vazão a sonhos e o intitulei de “insônia”, e retomei a leitura do Carver exatamente num conto em que ele falava disso, insônia e outras cositas.

Não que eu tentasse escrever como ele, mas é um escritor muito inspirador por ser bastante visual, livre, espontâneo. Faz com que fiquemos atentos aos detalhes do dia-a-dia, ao desenrolar da vida diante do nosso nariz. Mesmo que a realidade possa não ser essa, a ideia que ele passa é de que não está preocupado com aonde vai chegar – vai indo, indo, e no fim acaba chegando (se bem que isso é próprio de todo bom escritor: nos mantém tão entretidos, que nem percebemos que o texto está chegando ao fim). Acho que é um modelo do que se poderia chamar de "contista contemporâneo" (?).

E foi por causa do Raymond Carver que escrevi esse post meio sem rumo (espero não ofendê-lo no túmulo), de um momento despreocupado, contemplativo. Claro, pra virar um conto é preciso mais. É preciso seguir adiante, relacioná-lo a outros eventos, lapidá-lo. Já para o blog está de bom tamanho! :-)

*


Quanto ao conto que eu estava escrevendo, o Carver serviu pra me mostrar que ainda há muito a evoluir.


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Se eu tivesse categorias por aqui, inseriria este post na série "Porto Alegre é um ovo". Mais especificamente, um ovo de Páscoa (hehe, como sou engraçada!).

10 comentários:

  1. Oi!

    Tu tem um esboço de conto aí! E à la Carver ficaria muito bom! Vá em frente, quero ler!

    Beijo!

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  2. Ih, Roger, tenho nada!

    Pena não termos mais que entregar exercícios até quinta, né?

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  3. Pode entregar até quinta pra mim, oras.
    Muito bom mesmo, ótima matéria-prima!
    Vamos lá!

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  4. Hehe. Boa. Deveríamos nos obrigar sempre a entregar textos até quinta! ;)

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  5. Legal! Esta semana vou entregar um desenho. Pode ser?

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  6. Amanhã é quinta :)

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  7. Quero ver! Tá, então eu vou entregar uns chocolates. :p

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  8. Vanessa acaba de olhar meu desenho e dizer que não gostou :(

    Chocolate não vale! Só se for fabricação própria... hum, quer dizer, de repente vale sim! Ai ai

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  9. Adorei! Poderia se o início de um belo conto... bjs

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