sexta-feira, 15 de maio de 2009

meu mundinho II

continuando o post anterior:

Se eu fosse mais espiritualizada, em vez de pensar na figura de um ET (aquele bonequinho verde com antenas e olhos grandes), talvez visualizasse deus (um senhor de barbas brancas e feições bondosas). Os dois estão acima de nós e, supostamente, conhecem mais o nosso destino do que nós mesmos.

Veja a pretensão: eu sentada na plateia, ao lado Dele, querendo saber o que achou do espetáculo. Não é absurdo. Primeiro, em razão de Ele ser feito à nossa imagem e semelhança; segundo, porque estou no meu mundinho, onde posso sentar ao lado de quem-quiser-quando-quiser.

[ Aposto que se digo isso a um psicanalista, ele irá argumentar: “Por que falar sobre isso a Ele? Você pode contar comigo!” ]

Mas a verdade é que devo estar mesmo mais espiritualizada – mais temente, mais assustada, mais inconformada, mais perto do meio do caminho, mais velha. Ó, céus!

Gracejos e rebeldia não vão me salvar.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

meu mundinho

Às vezes, quando resolvo sair um pouco do meu mundinho (mundinho = espaço imaginário onde tudo sai como se deseja, todos pensam como nós, concordam com as nossas ideias, apoiam nossas iniciativas e aqueles que não as aprovam tropeçam no próprio pé ou são fulminados por um raio; onde nossas qualidades brilham em seu ápice e as dificuldades não precisam ser postas à prova; onde todos, mesmo os mais bem acabados, são sempre mais feios, mais sujos e menos inteligentes do que nós; onde o passado nos orgulha, o presente nos aquece e o futuro nos pertence)... Então, quando abandono um pouco esse lugar e ensaio uns passinhos lá fora, no mundão, a sensação que tenho é a de estar num teatro. Nada original, reconheço; diz o Seicho-No-Ie: “A vida é um palco onde VOCÊ é o protagonista”, mas é o que me ocorre. Vejo a ópera-bufa em pleno desenvolvimento, com seus personagens patuscos, e me sinto um deles. Sou um deles. Só não sei bem ao certo que papel me pertence, então, às vezes, me canso e volto para a plateia; depois, canso da plateia e subo ao palco de novo.

Numa escala maior, é o que se dá quando algo no mundo nos une - um avião atingindo as torres gêmeas, uma copa do mundo, um clipe we are the world. Nessas horas, sempre me vejo na plateia, buscando um extraterrestre ao meu lado para perguntar: “E aí, que tal?”.

A resposta pode ser qualquer coisa, de “patético” a “comovente”.

***


Mudando de saco pra mala, desculpem se a pergunta é burra, nunca gostei de física:


É que coloquei água para ferver, ao mesmo tempo, em dois recipientes: uma grande chaleira para o meu chá e uma canequinha para cozinhar um ovo. Por que a chaleira agora borbulha violentamente enquanto a canequinha parece nem se dar por si?

sábado, 9 de maio de 2009

no aguardo

Aguardo Patrícia e Guilherme para irmos a Alegrete, estou pronta há horas, o sol começa a dar os ares da graça; Márcia, Marcelo, Débora, Beto, Adônis já estão na estrada.

[ Isso é frase pra Twitter. Vivo querendo as coisas certas no lugar certo; mas, se me justifico, é porque o mais certo são coisas erradas no lugar errado ]

quarta-feira, 6 de maio de 2009

vaca jurídica


A convite da Vanessa Canciam, assisti agora há pouco, no auditório do Direito da Ufrgs, a uma palestra do “maior especialista em Direito Penal da América Latina, quiçá do mundo”, o argentino Eugenio Zaffaroni.

Ministro da Suprema Corte argentina, professor e diretor do Departamento de Direito Penal e Criminologia na Universidade de Buenos Aires, autor de vários livros e doutor honoris causa de universidades no Brasil e na Itália, ele discorreu sobre os modelos jurídico-penais da Alemanha, desde o século passado, e apontou a inadequação dessas “dogmáticas” à nossa realidade latino-americana. No lugar da importação de “modelos volkswagen”, ele propõe que se pense numa doutrina própria.

Segundo Zaffaroni, no âmbito do direito penal, toda construção doutrinária tem um sentido político, mesmo que os seus artífices o neguem. “A lei provém de uma decisão política”, disse ele.

Basicamente foi isso que captei, minha presença no local não fazia 100% de sentido. Mas anotei uma expressão cunhada por ele cujo conceito por vezes aparece lá na Assembleia: a da “vaca jurídica”, isto é, aquela figura que, embora exista na lei, não tem validade por estar dissociada do mundo real. “Posso dizer que uma vaca é um cachorro grande que uiva na neve”, exemplificou ele. E aí? Quem há de dizer que não?

Ao final da palestra, o diretor da faculdade anunciou a decisão de conceder ao convidado o título de doutor honoris causa pela Ufrgs e eu tive dois pensamentos. Primeiro: “que lindo, também quero!”. Depois: “na idade dele e com o currículo que tem, o que vai fazer com mais um título honoris causa? Aposto que tem aspirações bem mais mundanas!”

Falando em coleção de títulos, eu disse à Canciam que, agora, em vez de bolachas de chope, ela vai colecionar certificados, já que, para se formar, os alunos do Direito precisam somar 360 horas de palestras e atividades extracurriculares. Disse isso, mas desdigo: por que não colecionar as duas coisas?

Mania de pensar em ou no lugar de e!

terça-feira, 5 de maio de 2009

bobagens, Montaigne e Aulus Gellius

Abandonei um pouco os caracoles, mas estou de volta. Tenho pensado muito e agido pouco. Não é ruim; precisava pensar. E a conclusão é: melhor agir em alguma direção do que ficar parado. Claro, não estou falando de ações destrutivas, mas de ações construtivas que possam impossibilitar outras ações construtivas (pela simples razão de que não se pode fazer tudo). À medida que dividimos a ação em partes menores e damos os primeiros passos, a convicção vai surgindo.

Outro assunto: queria comentar o livro que a Canciam me emprestou (a Lopez recém terminou de lê-lo e eu estava na fila), As 10 bobagens mais comuns que as pessoas inteligentes cometem e técnicas eficazes para evitá-las, de Arthur Freeman e Rose Dewolf.

Bem, não vou comentá-lo (li umas cinco páginas, por enquanto; minhas leituras têm sido bastante aprofundadas, como se vê). Vou apenas citar os títulos de alguns capítulos e subcapítulos:

- Deu branco: quando a nossa inteligência nos deixa na mão, o poder da mente, ampliando os limites, o estresse piora os erros, novos hábitos de pensar;
- Catastrofismo: perder a cabeça e outros sintomas, como se desencadeiam os medos, seja realista, ouça a si mesmo, questione-se, descatastrofismo, registre seu raciocínio, saia em sua própria defesa;
- Telepatia: quanto mais íntima a relação, maior a ilusão, o hábito de presumir, dicas e pistas, quando você entende tudo errado, quando os outros entendem tudo errado, dê nome aos bois;
- Mania de perseguição: uma frase - as mais diversas reações, causas comuns, o efeito cumulativo, quando você tem razão em se sentir criticado;
- Acreditar em tudo o que o seu assessor de imprensa diz: como uma overdose de pensamento positivo pode ter efeito negativo, os assessores de imprensa do dia-a-dia, o assessor de imprensa interior, teste da realidade, a verdadeira atitude vencedora;
- Levar críticas muito a sério: de onde vem a sensibilidade a críticas, aprenda a questionar seus críticos, filtragem e relativização, o crítico interior, como reconhecer uma crítica construtiva;
- Perfeccionismo: as imperfeições da perfeição, ser exigente pode ser bom, perfeição na dose certa, porque é tão difícil ceder, abrindo caminho para mudanças, estabeleça os seus padrões, como ser flexível, abordagem passo a passo, alguma coisa é melhor que nada;
- Mania de comparação: o fator ego, a comparação como fator de motivação, como lidar com as opiniões alheias, a solução "e daí", do que você se dispõe a abrir mão, mude os termos de comparação;
- Pensamento condicional "e se...?": vamos reescrever a Lei de Murphy, a premissa furada, arranjando sarna para se coçar, o "e se...?" positivo e realista, preocupação seletiva;
- Deve-ser-assim: o conforto - e as vantagens - do deve-ser-assim, quando as obrigações atrapalham, ideias à base de ia, podia, devia, deixe o passado para trás, como lidar com a culpa;
- O vício "sim, mas": a faca da cozinha, um misto de equívocos perigosos, rumo ao "sim", troque o "sim, mas..." pelo "sim, e...", um pouco de faz de conta, pense ao contrário, dizendo sim para os outros, dizendo não para os outros, o poder da asserção positiva, como lidar com alguém do tipo "sim, mas..." na sua vida;
- Como ativar seus pontos fortes: ponha o óbvio em dúvida, atribua responsabilidades, não exagere, como criar alternativas de pensamento, sentimento e ação, compare prós e contras, classifique seus erros, use as adversidades a seu favor, crie imagens substitutas, ensaio de imagens positivas, auto-instrução, autodistração, bancando o advogado de defesa;
- Além da compreensão: a teoria na prática, administração do tempo, planejamento de experiências para aprimoramento ou prazer, resolução de problemas, divida seu objetivo em etapas menores, um pouco de faz-de-conta, experimente novos comportamentos, relaxamento, roteiro de relaxamento;
- Viva melhor: uma ideia melhor, ferramentas para a vida inteira, o mundo não é todo negativo, assumindo a responsabilidade por si mesmo.

***


Sexta passada, tomei um café com o Felipe e ele mencionou o meu post anterior. Disse ser um grande e mero consumidor de ideias alheias. E, para confirmar a declaração - ao mesmo tempo em que atenuava minhas dúvidas sobre como deve/pode ser um blog -, falou-me de Montaigne, considerado o criador do gênero "ensaio". Segundo o Felipe, Montaigne refletia sobre si mesmo, seus flatos e assuntos do dia-a-dia.

Fui olhar no Google e achei um texto do Voltaire Schilling sobre o autor:

Montaigne fundou um gênero - o ensaio - em que a pena do autor é deixada à vontade, guiada pelo senso comum, misturando instinto com experiência, circulando pelos temas mais diversos, sem compromissos com a autoridade, mas sim com a liberdade. Tratava-se do registro das suas experiências, de observações e reflexões que ele extraíra da vida.

Nada lhe foi estranho: o amor, a luta, a religião, a coragem, a amizade, a política, a educação... Recorrendo largamente aos fatos passados e ao enorme domínio erudito dos clássicos, escrevia pelo gosto da aventura e pela emoção que lhe provocava, tornando o leitor cúmplice das suas emoções. Como ele mesmo disse, "il n'y a point de fin en nos inquisitions", não havia limite para suas inquietações.

Exausto do mundo, passou a viver só para si, tornando-se personagem do seu próprio interesse (sendo repudiado mais tarde por Pascal exatamente por isso). É de Jacob Buckhardt, o grande historiador da cultura da Renascença, a ideia de que foi por aquela época, pelo século XV-XVI, que o Homem deu lugar ao Indivíduo, isto é o Homem descobriu a sua singularidade, o seu ineditismo. Um ser inequívoco, absoluto na sua excepcionalidade, cuja personalidade ou vivência jamais poderá ser passível de repetir-se em qualquer outra circunstância.

Até aquela época os homens pertenciam a uma corporação de ofício, a um grêmio profissional, a uma grande família ou a uma dinastia, até que se descobrem como indivíduos com possibilidades de construírem seu próprio destino. De certo modo, Montaigne, ao afirmar que "Je suis moy-mesmes la matiere de mon livre" (Eu mesmo sou a matéria do meu livro), inspirou o americano Walt Whitman, que no século XIX, nos versos "Song of Myself" (1882), também decidiu fazer de si e da sua vida o tema da sua obra poética.