domingo, 29 de agosto de 2010

o dicionarista e o louco

Comentei com o meu amigo Felipe que gostaria de escrever, um dia, um livro que tivesse mistério, romance e ao mesmo tempo aproveitasse meu aprendizado em lexicografia. Tinha até nome: "O dicionarista". Ok, parece chato, mas há tantos aspectos interessantes no mundo dos dicionários, tantas abordagens filosóficas que eu gostaria de tentar desenvolver de forma atrativa. Disse também pro Felipe que o tal dicionarista teria que ter cometido um crime e estar preso (só um preso ou um louco se dedicaria a fazer um dicionário). Pois bem, o pedante do Felipe (ehehe mentira, nem é!) me informou então (a mim, a mestra) que o livro que eu queria escrever já havia sido escrito!

É "O professor e o louco", de Simon Winchester, que conta o encontro real de duas figuras: o filólogo James Murray, que dedicou quarenta anos da sua vida à edição do dicionário Oxford (vulgo "OED"), e William Chester Minor, um médico esquizofrênico, que matou um cidadão, foi preso num hospício e de lá se tornou o colaborador mais prolífico do dicionário.

O livro começa com o eminente professor indo ao encontro do colaborador, sem saber da sua real condição:

(...) a carruagem tomou a direção de uma longa alameda margeada de choupos altos, detendo-se afinal diante de uma enorme e um tanto ameaçadora mansão de tijolos vermelhos. Um criado com expressão séria encaminhou o lexicógrafo para o andar superior e conduziu-o a um escritório revestido de estantes com livros, onde, por trás de uma imensa mesa de mogno, ergueu-se um homem de importância indubitável. O dr. Murray fez uma reverência sóbria e lançou-se ao breve discurso de saudação que tanto havia ensaiado.

"Muito boa tarde, senhor. Sou o dr. James Murray, da Sociedade Filológica de Londres, e editor do Oxford English Dictionary. É na verdade uma honra e um prazer chegar a finalmente conhecê-lo, pois o senhor deve ser, gentil cavalheiro, meu mais assíduo companheiro de trabalho, o dr. W. C. Minor, não?"

Houve uma breve pausa, numa atmosfera de constrangimento mútuo. O tique-taque barulhento de um relógio. Passos abafados no corredor. Um distante tilintar de chaves. E então o homem por trás da escrivaninha pigarreou e por fim disse: "Lamento dizer, amável senhor, que não sou eu. As coisas não são de modo algum como está imaginando. Sou, na verdade, o diretor do manicômio judiciário de Broadmoor. O dr. Minor com toda certeza se encontra aqui. Mas como interno. É paciente há mais de vinte anos. Nosso mais antigo residente".

Adorei a cena, o "homem de importância indubitável" por trás da mesa de mogno. Percebe-se que o autor se dedicou a ela, pensando nuns três ou quatro eventos para fazer suspense (O tique-taque barulhento de um relógio. Passos abafados no corredor. Um distante tilintar de chaves). Em muitos momentos, porém, ocorre o que eu já imaginava que seria o grande desafio: a teoria lexicográfica e os elementos históricos comprometem o romance. De todo modo, estou curtindo muito (odeio essa palavra) o clima Sherlock Holmes do texto.

***


Mais uma do Felipe, logo após a morte do Saramago:

- Tu tem "A viagem do Elefante"?
- Tenho.
- Me empresta?
- Claro.
- É que não gosto de ler autores vivos.
- !?

ahaha

sábado, 28 de agosto de 2010

atualizações

Como estive fora, preciso retomar alguns eventos. E o faço por meio de fotos: 


Primeiro e mais importante, a Camilinha, minha afilhada, que nos põe num novo patamar (em 27 de junho):   

Camila e as tias corujas


 Depois, tem a Isabel Allende, flagrada na Flip com o desAMORdaçados a tiracolo. O livro também foi relançado no dia 19 de agosto na Bienal do Livro em São Paulo. 




[caption id="attachment_1457" align="aligncenter" width="199" caption="Foto da Mariza, que entrevistou a escritora e a presenteou com a obra."][/caption]

20 de agosto, dia de festa:  





[caption id="attachment_1466" align="aligncenter" width="300" caption="Apesar de ficar mais velha, é sempre tão bom fazer aniversário! Hora de reunir quem nos quer bem e constatar que alguns permanecem há tanto tempo, outros se agregaram recentemente e outros ainda virão."][/caption]




E aqui a nova mania. Nada de trabalho intelectual: da síndrome forrest gump para a corrida:  




[caption id="attachment_1459" align="aligncenter" width="300" caption="10 Milhas Mizuno, em 27 de junho"][/caption]

vigilantes da autoestima

Descobri um blog outro dia que me motivou a escrever de novo. Na verdade, me motivou a escrever para mim mesma – em off. E aí – do off pro on – foi um passo. Escrever para nós mesmos nos permite ser mais honestos, mas também perdemos em alguns aspectos. A possibilidade de alguém ler o que escrevemos nos faz ordenar um pouco melhor os pensamentos. E uma mente ordenada é sempre mais útil. 

Uma vez resolvi dar vazão ao impublicável. Achei que seria terapêutico colocar no papel os pensamentos do jeito que vinham, sem filtro. E o que veio foram choramingos – como se o desabafo por si só pudesse ser mais fiel aos meus sentimentos do que os meus escritos e a minha mente claros. Na época, concluí que a busca por esta fidelidade a mim mesma superava o risco de ter meus escritos lidos por alguém. Ou melhor, achava que o risco era zero. Que a minha mãe, a única que poderia se interessar por eles, jamais mexeria nas minhas coisas, como ela sempre me garantiu. Mais tarde, um namorado ciumento – cujas exigências valiam só para mim e não para ele – e, mais recentemente, uma colega, que é mãe e me diz que remexe em tudo, apesar de jurar de pé junto pro filho que não faz nada disso (“quando tu for mãe, tu vai entender!”) – me fizeram perder essa ilusão. Antes de uma viagem, peguei os meus escritos e fiz uma linda fogueira no chão da cozinha, temendo que se o avião caísse alguém os encontrasse (vá entender esses medos póstumos!). Junto, foi-se um poema da oitava série (o “preso se vive, se vive preso”, ai).

Voltando ao blog: é o Vigilantes da Autoestima. A autora vai contando dia a dia como anda a sua autoestima, o que tem feito de bom para si e onde tem tropeçado. De acordo com o sentimento predominante ao longo do dia, ela escolhe uma casinha – de palha, de madeira ou de tijolo. Uma casinha de palha representa uma autoestima fraca, que qualquer brisa derruba; uma casinha de madeira balança, mas não cai tão fácil; e a casinha de tijolo significa uma autoestima sólida, que não cai ao sabor do vento.

Além de escolher o material da casa, ela aponta ações específicas em “o que fiz de bom por mim” e “o lobo mau interno que me detonou”. Tudo muito didático.  Fiquei com vontade de me vigiar também. Quando fiz terapia, entendia esse tipo de “vigilância” mais como crítica e cobrança do que como autoconhecimento. Um terror.

Acho que a minha casinha de hoje é madeira (e que na maioria dos dias será assim – palha, só num dia de catástrofe, e tijolo, só no dia do meu casamento ahaha!). O que fiz de bom por mim foi sentar para escrever, embora tenha me amarrado para começar. Me boicotei um pouco comendo mais do que devia (novidade!).