Eram umas duas e pouco, ontem, quando a Vanessa me mandou uma mensagem dizendo que passaria na minha casa dali a meia hora. Ela comprou um carro novo e tínhamos combinado de circular pela cidade para ela treinar a direção.

A Vanessa já tem carteira há algum tempo, mas não aprendeu a dirigir direito. Precisava de prática e de uma boa alma, tranquila e serena, que assumisse a co-pilotagem.
Convidamos a Noemia a se integrar à aventura e lá fomos nós pelas ruas de Porto Alegre. Atentas a cada bueiro, a cada meio fio perigosamente próximo, a cada pedestre desavisado. E aos ônibus, onipresentes.
Às vezes, Noemia e eu esquecíamos o que estava acontecendo, falávamos de outros assuntos, e a pilota quase nos engolia. Não podíamos distraí-la. Qualquer passo em falso representava riscos, de modo que entramos de vez no seu estado de tensão.
Chegamos a parar para tomar sorvete e, após conversa amena – para mim e para a Noemia, porque a Vanessa ainda suava –, retomamos a empreitada. Ela agora precisava nos devolver às nossas residências.
Entregue, peguei meu próprio carro e fiz o trajeto até a casa da Vanessa, para que ela tivesse a quem seguir e não entrasse em curto circuito. Ao final da tarde, estávamos exaustas. A Vanessa não quis sair. Eu fui encontrar uma colega, a Mariza, no Dometila.

O Dometila é um café lindinho e charmoso onde nos agridem com flores [ sim, a primeira vez que fui lá, o dono me deu um susto ao jogar pétalas de rosa no meu rosto; na segunda vez, eu ainda estava na calçada relatando esse episódio – “é muito lindo este lugar, mas...” – quando ele apareceu e nos bombardeou com rosas, deixando minhas palavras pairando no ar ]. Desta vez, ele estava viajando, e sentimos falta da sua delicadeza peculiar :)
Pedimos uma torta de chester, aspargos e tomates secos, muito chiques; a Mariza tomou espumante, eu, chá de hortelã; falamos sobre livros, viagens, affairs.
A Mariza é minha colega de Oficina Literária. Jornalista e advogada, membro do Ministério Público, ela é paulista, mora em São Paulo e, durante todo o ano passado, pegou um avião uma vez por semana para cursar a Oficina. Alugou apartamento e tudo. Até ontem, eu não sabia direito se ela era paulista, gaúcha, se morava lá ou aqui. Agora, entre outras coisas, sei que tem um filho (a quem prometeu me apresentar) e que exerceu toda a sua diplomacia com os vizinhos durante a estada na capital gaúcha (o que ainda vai gerar um conto :)
***
Mais tarde, no recolhimento do lar, me dei conta da profusão de olhares assumidos num único dia: o olhar iniciante, o olhar estrangeiro, o olhar particular e instransferível, além do olhar cúmplice da amiga de longa data, que estimula a memória, ameniza os dramas e torna tudo mais divertido.